O câncer infantojuvenil é a doença que mais mata crianças e adolescentes no mundo. Apesar de ser considerado raro, representa um desafio constante para famílias e profissionais de saúde. Para entender melhor esse cenário conversamos com o Dr. Felipe, oncologista pediátrico, em Caxias do Sul.
Dr. Felipe seguiu os passos do pai que é médico e desde março de 2024, atua em Caxias do Sul, acompanhando aproximadamente 40 pacientes, entre crianças e adolescentes em diferentes estágios de tratamento, tanto hospitalizados quanto em acompanhamento ambulatorial.
Os sinais de alerta que os pais não podem ignorar
O diagnóstico do câncer infantojuvenil representa um dos maiores desafios da medicina pediátrica. Segundo Dr. Felipe, a dificuldade está na inespecificidade dos sintomas, que podem se confundir com doenças comuns da infância.
Blog: Quais são os sinais e sintomas mais comuns que os pais tendem a confundir com doenças típicas da infância?
Dr. Felipe: É muito difícil diagnosticar um câncer porque ele tem sintomas inespecíficos, e são doenças raras em crianças. Mas temos que ficar atentos aos sinais de alerta. Pensando nas doenças mais prevalentes, como a leucemia, que representa cerca de 30% dos nossos casos, devemos observar febre persistente sem sinais aparentes de infecção, dores especialmente em membros, e sangramentos sem causa aparente.
O oncologista pediátrico enfatiza que a palavra-chave é "persistente":
A partir do momento que o câncer se instala e está se manifestando, ele não vai parar até fazermos algo ativamente. Ele não passa sozinho.
Os principais sinais de alerta incluem:
Para leucemia (30% dos casos):
- Febre persistente sem sinais de infecção
- Dores em membros que não cessam
- Sangramentos espontâneos (gengiva, nariz, olhos)
- Manchinhas na pele (petéquias)
- Fadiga extrema e persistente
Para tumores do sistema nervoso central (segundo caso mais prevalente):
- Dores de cabeça que não passam
- Vômitos acompanhados de cefaleia
- Piora dos sintomas ao deitar-se
- Mudanças na marcha
- Alterações comportamentais
Para tumores abdominais:
- Barriga endurecida com massa palpável
- Distensão abdominal persistente
Casos reais: quando o detalhe faz a diferença
Dr. Felipe compartilha dois casos que ilustram a importância da atenção aos detalhes:
Caso 1 - Leucemia diagnosticada pela escola:
Uma criança começou a demonstrar cansaço excessivo comparado aos colegas. A escola alertou a mãe, que inicialmente não havia percebido a mudança. "A escola disse: 'Ela está mais cansada que as outras crianças e que ela mesma comparado há duas semanas atrás. Leva para consultar'", relata o médico. Um hemograma simples no pronto-socorro revelou alterações importantes, levando ao diagnóstico de leucemia.
Caso 2 - Tumor cerebral mascarado como problema gastrointestinal:
Uma criança com vômitos e dores de cabeça foi inicialmente tratada como problema gastroenterológico. O sinal de alerta foi perceber que os sintomas pioravam quando a criança se deitava - um indicativo clássico de aumento da pressão intracraniana.
A criança passava o dia bem, mas tinha problemas quando se deitava. São esses pequenos detalhes que fazem a diferença para diagnosticar precocemente.
O caminho do diagnóstico ao tratamento
Quando uma criança chega com suspeita de câncer, o processo é acelerado e estruturado:
Blog: Como vocês organizam o caminho do tratamento após o diagnóstico?
Dr. Felipe: A criança normalmente chega através do pronto-socorro. Fazemos a internação porque conseguimos realizar os exames de forma mais rápida e eficiente. Após o diagnóstico e estadiamento, temos uma conversa com a família - normalmente pais e responsáveis diretos - passando todas as informações da melhor forma possível.
O tratamento é sempre individualizado e multidisciplinar.
"Nunca tratamos câncer de forma individual. Não sou eu que decido as coisas sozinho", explica Dr. Felipe.
A equipe inclui:
- Médicos oncohematologistas pediátricos
- Enfermeiros especializados
- Nutricionistas
- Psicólogos
- Fisioterapeutas
- Outros especialistas conforme necessário
Recidiva e metástase: mantendo a esperança
Um dos aspectos mais desafiadores do tratamento é lidar com a possibilidade de recidiva ou metástase. Dr. Felipe esclarece uma diferença fundamental entre crianças e adultos:
Blog: Que mudanças acontecem no tratamento quando há recidiva ou metástase?
Dr. Felipe: O prognóstico das crianças no primeiro diagnóstico é muito favorável. Mesmo com metástase no diagnóstico inicial, diferente dos adultos, em crianças todas as doenças, tirando algumas exceções, ainda têm potencial de cura no primeiro diagnóstico. Claro que uma doença sem metástase tem prognóstico melhor, mas as metastáticas ainda são curáveis.
Para recidivas, existem protocolos específicos que consideram:
- Tipo de recidiva (localizada ou disseminada)
- Tempo decorrido desde o tratamento inicial
- Localização da recidiva
- Resposta aos tratamentos anteriores
Onde buscar ajuda: pronto-socorro ou UBS?
A orientação do Dr. Felipe é objetiva:
A maior porta de acesso ainda é o pronto-socorro, porque às vezes é difícil conseguir vaga na UBS no mesmo dia, ou os sintomas são percebidos fora do horário comercial.
O importante é que, independente da porta de entrada, o processo de encaminhamento para a oncologia pediátrica seja rápido: "Estamos falando de horas ou no máximo um dia para casos suspeitos chegarem até nós."
Mensagem do especialista para pais e comunidade
Dr. Felipe finaliza nossa conversa com uma mensagem importante para pais, educadores e profissionais de saúde:
O câncer infantojuvenil é a doença que mais mata crianças e adolescentes no mundo. A comunidade precisa ficar atenta aos sinais de alerta - não para criar pânico, mas para não negligenciar sintomas persistentes. Os exames necessários para diagnóstico não são complexos, requerem apenas conhecimento dos sinais de alerta.
O médico reforça uma mensagem de esperança: "Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor o prognóstico. Essas crianças podem viver uma vida normal após o tratamento!"
Para profissionais de saúde, fica o recado: "Se estão suspeitando de alguma coisa, encaminhem para nós. Preferimos investigar um caso que não seja câncer do que deixar passar um diagnóstico precoce. Na dúvida, é melhor descartar."
Sobre o Dr. Felipe: Oncologista pediátrico formado pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em pediatria pelo Hospital Universitário de Santa Maria e em oncologia pediátrica pela Santa Casa de Porto Alegre.
Esta entrevista faz parte da série especial do Setembro Dourado, mês de conscientização sobre o câncer infantojuvenil. Acompanhe as próximas entrevistas com outros profissionais e especialistas da área.
Fonte: Dr. Felipe Lopes da Silva