Quando o assunto é câncer infantil, muitas dúvidas surgem na mente dos pais. Para esclarecer os principais questionamentos e desmistificar aspectos importantes do tratamento, conversamos com o Dr. Henrique Umpierre, médico pediatra, hematologista e hemoterapeuta pediátrico, professor de Medicina na Universidade de Caxias do Sul e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Por que as Crianças Ficam Mais Vulneráveis Durante o Tratamento?
Durante a quimioterapia, o sistema imunológico da criança fica comprometido. Para entender isso, é importante conhecer como nosso corpo se defende. Existem duas linhas de defesa principais:
- Os anticorpos: mais específicos, como o anticorpo contra hepatite
- Os neutrófilos: células menos específicas que são a "linha de frente" da defesa, como soldadinhos que protegem o corpo de qualquer invasor
O problema surge porque "as células do sangue são fabricadas todas na medula óssea, que é o órgão que fica dentro dos ossos, é o tutano do osso". A quimioterapia ataca principalmente células que estão em replicação, células que se multiplicam muito. Por isso, invariavelmente, as células que se replicam em grande número na medula óssea, (células do sangue), também vão sofrer com isso.
"Quando o paciente tem essas células em menor número,pelo próprio uso da quimioterapia, essas células não funcionam do jeito que deveriam funcionar, ele fica mais suscetível a infecções, mais vulnerável a infecção", esclarece o especialista.
O Sinal de Alerta Mais Importante: A Febre
A diferença entre uma criança saudável e uma em tratamento com quimioterapia é dramática. A criança em quimioterapia pode ter uma infecção grave sem apresentar os sinais tradicionais como vermelhidão, inchaço ou pus. O principal e, muitas vezes, único sinal é a febre.
Ao contrário, as crianças consideradas imunocompetentes, ou seja, com a sua imunidade preservada, apresentando um quadro de infecção de garganta, normalmente melhoram com tratamento de suporte ou antibiótico.
"Agora, na criança que [...] é imunocomprometida, essa infecção pode tomar uma proporção que a gente não espera. Se a imunidade não está funcionando, ela não faz essa primeira linha de defesa, a infecção vai indo adiante, frequentemente atinge a corrente sanguínea."
O que mais impressiona é como a apresentação clínica muda durante o tratamento. "As outras coisas que a gente está acostumado a associar com infecção, muitas vezes o paciente que faz quimioterapia não vai ter esses outros sinais, porque são dependentes dos neutrófilos." Para ilustrar, o médico dá um exemplo prático:
"O que a gente esperaria uma infecção de pele numa criança que não está em tratamento? Fica vermelho, fica doído, tá inchado, tu encosta e tá quente, pode ter pus. Para a criança que está em tratamento, os neutrófilos dela estão muito pouquinhos. Então, não tem pus, não tá vermelho, não tá inchado, não tá quente, mas ela tá se queixando de dor ou ela nem se queixou de dor, mas ela tá com febre."
O Dr. Umpierre é enfático sobre o sinal mais importante:
"O principal sinal é febre. Febre é um alerta. Todo mundo que está fazendo quimioterapia [...] fez febre, é ir correndo para o hospital. Começar o antibiótico na veia, na primeira hora desde o início da febre, muda desfecho, salva a vida."
Cuidados Essenciais em Casa: Prevenção de Infecções
"Prevenção de infecção. Esse é o norte", orienta Dr. Umpierre ao falar sobre cuidados domiciliares. "Vamos pensar como é que a gente previne infecção no ambiente que a criança brinca."
Eliminando Riscos do Ambiente
O médico é direto sobre os fungos: "Se na tua casa, de repente [...] tem um mofo[...] se tu tem uma criança fazendo quimioterapia em casa, pode levar ela à morte."
Ele ainda esclarece sobre duas questões que frequentemente geram dúvidas, as plantas e os animais de estimação!
"O que é uma coisa que está na nossa casa e que tem fungo vivendo dentro dela? A Planta! A planta tem fungo, é normal, eles vivem em comunhão, faz bem para a planta ter fungo junto com ela. Quer dizer que a criança não pode encostar em planta? Não, não quer dizer isso. Mas deixar a planta dentro de casa não é recomendável, porque vai ter aquele fungo ali pairando no ar, na volta da planta."
Contrariando alguns mitos, Dr. Umpierre esclarece: "Um cachorrinho vacinado é seguro pra criança. O cachorro pode espirrar [...] que o vírus do cachorro não pega. Cachorrinho, gatinho vacinado tá bem, mas um passarinho não é uma boa ideia. As fezes das aves têm fungos."
Alimentação e os Cuidados com Fungos
Diante da reflexão: "como prevenimos infecção na alimentação" A resposta envolve entender onde os fungos se escondem. "Tem algumas frutas que a gente esquece uns dias na geladeira e elas estão cheias de fungo. Quais são? Moranguinho, amora... Será que o fungo pousou nela ali? Não, ele já estava nela. É que a gente deu tempo para ele proliferar."
"As frutas que a gente come a casca têm que estar higienizadas na água sanitária, tem que ser um trabalho cuidadoso. As frutas que a gente não come a casca, ou as frutas de casca-grossa, tu tem que lavar bem a mão e lavar bem a casca pra não contaminar quando tu for descascar."
O Perigo Escondido
Uma orientação que frequentemente surpreende as famílias, está relacionada à habitação e à tradição gaúcha, como explica Dr. Umpierre:
"Onde mais que tem fungo? Na madeira. E a madeira, quando a gente queima, vira o quê? Carvão. Então, quando a gente acende o carvão, ou a própria madeira, aquela fumaça tem fungo. Toda comida em que a fumaça toca não pode ser comida por quem faz quimioterapia."
Contudo, não significa que a criança em tratamento deve deixar de consumir carne! "[...] a carne não é o problema, pode comer a carninha do forno, mas churrasco não dá para comer por causa disso, dá contaminação por fungo."
Transfusões: Suporte Vital Durante o Tratamento
A transfusão de sangue é um recurso médico essencial que permite salvar vidas em situações críticas através da transfusão de sangue de um indivíduo saudável para outra pessoa que necessite desse apoio de forma urgente, conforme explica o especialista:
"A transfusão [...] se dá em alguns contextos específicos em que a criança precisa do que a gente chama de suporte transfusional [...] o sangue não é todo igual [...] ela irá transfundir algum hemocomponente, ou seja, algum componente do sangue."
Quando as Transfusões Salvam Vidas
Para hemácias (glóbulos vermelhos):
"[...] a gente deve dar hemácias quando estão muito pouquinhas, a ponto de isso repercutir, trazer algum sinal ou algum sintoma." Os sinais incluem cansaço, prostração, dificuldade de respirar e o coração batendo mais rápido.
Para plaquetas:
"A plaqueta está envolvida na coagulação [...] se a criança está com pouca plaqueta, ela começa a apresentar pequenos sangramentos, roxinhos na pele, aquelas pintinhas vermelhas que a gente chama de petéquia. Alguns sangramentos mais significativos pelo nariz, pela boca, na gengiva."
O paciente não consegue recuperar as plaquetas de forma espontânea quando a medula tem sua função comprometida pelo tratamento em curso, que ataca diretamente as células medulares. Nesses casos, a conduta indicada é a transfusão de plaquetas, com o objetivo de conter o sangramento e reduzir o risco de hemorragias potencialmente fatais.
Transplante de Medula: Quando é Realmente Necessário?
Uma das maiores preocupações dos pais recebe uma resposta tranquilizadora do Dr. Umpierre: "O tratamento de primeira linha é essencialmente a quimioterapia [...] com uma resposta excelente na taxa de sobrevida."
Haverá a necessidade de transplantar as células da medula quando a doença não responder ao tratamento. Dr. Umpierre afirma que ela recebe o nome de "refratária [...] quando a doença foi tratada, acabou, mas volta, a gente chama de recaída."
Os números são encorajadores: "Mais ou menos 10% a 20% dos pacientes recaem, ou seja, já estavam tratados e a doença voltou. De quem recai, mais ou menos 10% precisa de transplante.
A Importância da Detecção Precoce
O Hemograma: Uma Ferramenta Importante
"Quando a gente fala de tumores não sólidos, por exemplo, a leucemia, ele não está localizado num lugar só, ele está acontecendo no corpo todo ao mesmo tempo", explica Dr. Umpierre. "Se a fábrica das células do sangue tem uma doença, tem um prejuízo na produção dessas células, o exame que a gente faz para suspeitar isso é o hemograma. Esse é um exame muito simples, muito acessível, que quase todos os lugares têm e que pode levantar uma suspeita muito importante."
O Mais Importante: Observar e Conversar
"A clínica é mais importante que o laboratório. Conversar, examinar é mais importante do que fazer o exame de sangue", enfatiza o médico. "Muitos cânceres não vão aparecer no exame de sangue, eles vão aparecer na história."
"O fulano tem dor, ele está mais enjoado, está mais quietinho. Ele está com dor. Fui dar banho e vi que a barriga aumentou de tamanho, encosta e está esquisito, comendo diferente."
Esse apontamento lembra a importância de manter as consultas periódicas das crianças em dia e procurar auxílio médico sempre que os cuidadores notarem mudanças.
Uma Mensagem aos cuidadores!
Pais: Não Há Culpa
"Precisamente eles saibam que não existe nenhum fator de risco ambiental para câncer na criança. É uma casualidade. Eles não poderiam ter feito nada de diferente", tranquiliza Dr. Umpierre.
O Conselho Mais Importante
"Prestar atenção no que a criança se queixa. Valorizar a queixa da criança", orienta o médico." As coisas que a criança não consegue contar, não consegue colocar em palavras, por exemplo. A criança nem sempre consegue dizer que ela está cansada, mas talvez ela não consiga brincar no recreio como ela brincava antes."
Com isso, deixa claro que é fundamental buscar atendimento especializado, a fim das crianças serem examinadas por um médico para que o profissional estabeleça a relação entre determinados sinais e sintomas.
A jornada do tratamento
Como Dr. Umpierre explica, o tratamento é multidisciplinar, em que os profissionais envolvidos, nutricionistas, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, psicólogos e muitos outros profissionais trabalhando juntos colaboram entre si.
"Uma criança bem tratada, é a criança que melhora da doença, mas ela tem que enfrentar [...] com esperança, ela precisa de familiares para cuidar dela, ela precisa de reabilitar o que ela perdeu."
Sobre o Especialista
Dr. Henrique Umpierre é graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, médico pediatra, hematologista e hemoterapeuta pediátrico pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre, e professor de Medicina na Universidade de Caxias do Sul e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O câncer infantil é uma jornada desafiadora, mas com informação, cuidado adequado e acompanhamento especializado, as chances de cura são cada vez maiores. A Domus está aqui para apoiar cada família nesta caminhada.
ATENÇÃO: Este artigo é informativo. Sempre siga as orientações específicas da equipe médica que acompanha o seu filho.
Fonte: Dr. Henrique Umpierre